terça-feira, 18 de setembro de 2007

La Callas

Fez 30 anos que a "grande vochacha", como alguns chamavam à sua voz, se calou.
Quando partiu, já havia perdido aquele instrumento que tanto fascínio e tanta polémica criou. Viveu o pior pesadelo de uma cantora e viveu o pior pesadelo de uma mulher. Morreu só. Mal amada. Amargurada. Diz-se que passava os dias a ouvir as óperas que havia cantado no auge da sua carreira. E chorava.
A sua história pessoal é conhecida de todos, por vezes, chega mesmo a ensombrar a importância fundamental que teve na música. Não só na música clássica, não só no canto lírico, não só na revitalização de um género que se encontrava acomodado a uma pequena elite, a ópera, mas na música, ponto final. Ela foi um daqueles artistas que hoje se definem como de cross-over, ou seja, conseguiu chegar a todo o tipo de públicos e conseguiu levar a ópera e o bel canto às massas.
Porque a música verdadeira é aquela que, independentemente de géneros e de etiquetas que se lhe queiram atribuir, consegue representar o espírito humano no seu mais profundo ou no seu mais real. E essa era a mestria de Maria.
Esqueçam-se as dificuldades técnicas, a "fealdade" do seu timbre, o mau génio, a perda de peso, a desigualdade de registos, ...
Porque não é isso que está em causa quando se fala dela. É claro que existem vozes mais bonitas, mais bem trabalhadas, com melhor técnica, ... Mas muito poucos conseguem aquele efeito no público. Quando se ouve Callas, quase nem se consegue respirar. Ficamos presos às palavras,à intenção de cada frase musical, à absoluta humanidade de tudo o que está a transmitir. Revemo-nos em cada segundo. Identificamo-nos com as "suas" personagens. Podemos sê-las.
O seu génio interpretativo é inquestionável.
E, para mim, o génio interpretativo de um cantor vale muito mais do que a beleza per se do seu instrumento. Não é isso que procuro numa voz. É sim, o respeito total e absoluto pelas intenções do compositor e pela música, para que, quando a interpretemos, não a dobremos para que nos sirva, mas, pelo contrário, sejamos nós a servi-la.
Ask not what the music can do for you, but what you can do for the music.
Avé, Callas.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Amigas e Casamentos

Só quem me conhece pode apreciar o caricato da situação.
Só mesmo a minha melhor amiga para me fazer cantar músicas cristãs na igreja no dia do seu casamento.
O medo era muito, que estas coisas têm de ser feitas com muito respeito e ainda mais alma e devoção. Para mais, o que me cabia a mim era não só reger um coro, como também cantar um salmo a solo... Portanto, feitas as contas, 12 músicas a aprender de trás para a frente, com toda a responsabilidade deste mundo e do outro, literalmente...
E não é que gostei?
Ok, não é exactamente a mesma coisa que cantar espirituais negros numa igreja no Sul dos EUA, mas se a coisa for feita com a alegria certa, é quase a mesma coisa.
À minha amiga agradeço esta grande oportunidade que me deu de, não só poder fazer algo por ela num dia tão importante, como, ao mesmo tempo, ficar de bem com o Senhor, já que, dizem, cantar é rezar duas vezes. Se cantei 12 vezes, façam as contas...

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Sam Cooke

Os Espirituais Negros sempre me fizeram sentir assoberbada. Não sei explicar, mas aquelas melodias e aqueles melismas da voz, aquele sentimento puro que é imbuído na música, a entrega e o sentimento de redenção após a experiência de ouvir ou de cantar espirituais é algo que sempre me deixou de alma limpa, como se de um ritual se tratasse. É para mim, definitivamente, uma experiência religiosa, no seu mais puro sentido, e só espero que um dia, Deus me dê o talento vocal e de alma necessário para poder cantá-los. É um sonho meu: cantar espirituais negros. Fazendo-lhes justiça, claro, que cantar qualquer cantor pode cantar. Agora, ir ao mais fundo desta música, isso, não está ao alcance de todos.
Neste post segue um dos meus cantores favoritos, Sam Cooke. Para além de todas as qualidades vocais que são evidentes a partir do momento em que começa a cantar, os espirituais negros na sua voz, são uma experiência epifânica. Especialmente, quando canta com os Soul Stirrers. Para quem goste de Espirituais Negros, recomendo o álbum "Sam Cooke and the Soul Stirrers". No feminino, só Barbara Hendricks consegue fazer-lhe frente. Recomendo o álbum "Barbara Hendricks and the Moses Hogan Singers".

Sam Cooke canta Steal Away:

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Little Girl Blue

Todos os que me conhecem sabem que tenho um fraquinho do tamanho do universo por ela. Foi por sua causa que entrei nestas coisas da música e que comecei a ouvir os melhores da música americana. Foi a sua devoção à sua arte e a forma como a encarava, destemida, sem medos, com todo o seu coração e toda a sua alma, a quem quisesse ouvir, que me incutiu este sentido de dever e de responsabilidade para com a música e para com o palco. E que me ensinou sobretudo que a melhor coisa do mundo, mas assim de longe (atenção que ainda não sou mãe, quando for, talvez reveja esta frase), é o gozo de se estar em palco em comunhão com os músicos e com o público. A dar tudo, sempre e em qualquer circunstância, como se não houvesse amanhã. Just feeling it, man! E nunca, mas nunca escolher o caminho mais fácil:

"Don't compromise yourself. You're all you've got".

Obrigado, Janis


quarta-feira, 11 de abril de 2007

Nina, A Grande

Nunca tenho palavras para descrever o que sinto quando ouço esta mulher cantar/tocar. O melhor é partilhar convosco um video desta grande música e grande alma que nos deixou em 2003.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Técnica Vs. Emoção

Qual das duas a vossa preferida? Ou serão daqueles fundamentalistas que acreditam que uma sem a outra é igual a nada? Bom, até pode ser que sim, mas o que é certo é que, olhando para o meu leque de cantoras/cantores favoritos, a emoção suplanta de longe a técnica. Claro que quando se consegue aliar estas duas coisas dificílimas, conseguem-nos transportar ao céu dos cantores, mas isso são coisas que só estão ao alcance de algumas benditas cordas vocais+diafragma+aparelho fonatório+Q.I. acima da média+sensibilidade fora do comum+alminha escolhida pelo divino para transportar as suas mensagens através dos sons produzidos por estas gargantas uma num milhão...
Eu, na minha singela mediania, lá tenho de ir fazendo concessões aqui e ali a bem da música, que o instrumento/Q.I./sensibilidade/bafejo divino não dão para mais. Em jeito de solidariedade para com todos os cantores que se revêm na minha singela, mas orgulhosa mediania, aqui irei postando alguns exemplos de cantores que sacrificavam a técnica a bem da emoção de forma exímia. É que, sabem? Exemplos de cantores que sacrificam a emoção para deixar brilhar a técnica dão-me a impressão de serem sempre um bocadinho chatos... Mas pode ser que o problema seja meu.
De qualquer das maneiras, haverá sempre uma Callas, uma Elis, uma Amália, uma Sarah Vaughan, para nos podermos deliciar em conjunto, os amantes da técnica, os amantes da emoção e os empedernidos da técnica+emoção. Afinal, uma das características de se ser grande é esta: conseguir reunir no grupo de admiradores, os gostos mais díspares...

quinta-feira, 22 de março de 2007

Pergunta simples

Por que é que às cantoras de personalidade forte e assertiva apelidam de Diva, ao passo que aos cantores de personalidade forte e assertiva apelidam de Grandes Músicos?

O próprio facto de praticamente não se utilizar o masculino do termo Diva, que como se sabe, tem uma forte conotação negativa, para referir cantores masculinos poderá dar-nos uma pista.

Será .... Machismo?

terça-feira, 6 de março de 2007

Mito urbano

É o que costumam dizer das nossas restrições alimentares e físicas nos dias que antecedem um concerto. Ou pior, "mariquices". Vejam bem! Pífios invejosos, é o que são. Andam a fazer festinhas a instrumentos, quando queriam é ter um instrumento integrado. E ainda falam em Cyborgs... Nós, os cantores, é que somos os verdadeiros robocops! Vimos com o pífaro cá dentro de nascença. E assim sendo, será tão difícil compreender que há certas e determinadas coisas que se tomadas, ingeridas, respiradas, mastigadas, ou vividas, nos impedem de transmitir a nossa voz na sua melhor qualidade? [Sim, porque nós também temos aparelho retransmissor incorporado. Chamam-lhe aparelho fonatório.] Será assim tão difícil entender a problemática da ingestão do leite ou derivados horas antes de cantar?
Para que, de uma vez por todas nos respeitem, aos poucos hei-de ir publicando a extensa lista das coisas boas, más e assim-assim para a boa execução do nosso instrumento. Peço a todos os meus colegas cantores que ajudem com as suas "mariquices", porque, para além dos produtos comprovados cientificamente, existem também as idiosincrasias vocais de cada um.
Nós não somos difíceis, temos é um instrumento lixado...

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

É ou não é?

É o momento pelo qual todos os músicos anseiam. Aquele momento em que tudo se alinha para que nos possamos juntar aos músicos certos, com o projecto certo, na hora certa. E não é que isso me aconteceu? E num género musical onde nunca havia pensado sequer ter algum tipo de competência. Ou apetência. E não é que é a minha cara? Agora vão lá perguntar a quem me conheceu nos meus anos de universidade se achavam isto possível? É como diz o ditado: Não é fadista quem quer, é fadista quem nasce.

Ora toma!

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Amélia Muge

No Sábado, tive o privilégio de poder assistir ao concerto de apresentação do novo álbum de Amélia Muge, "Não Sou Daqui".
Genial, a sua voz, o mise-en-scène, o dizer as palavras, o comunicar. A provar que não é preciso exibir um virtuosismo técnico estéril para se ser um virtuoso da arte de cantar.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Santos da casa não fazem milagres...

A minha voz está boa. Sinto-o. Apetece-me cantar. Assim, sem público, sem mais nem quê. Olho para ele e quero fazer-lhe um mimo. Ponho-me a cantar ao seu ouvido. Tantas vezes que cantamos para estranhos e damos tudo de nós, que pensei, “Que bom é podermos de vez em quando partilhar este dom com as pessoas que mais gostamos”. Em vez de palmas, espero ouvir carinhosamente suspiradas ao meu ouvido as palavras mágicas: “Ah...Casta Diva...”
Ao invés, dois berros: “Raispart’á Diva!!! Dói-me a cabeça. Já te tenho de ouvir nos concertos, dá-me um bocadinho de descanso...”
Quem melhor que as pessoas que nos são chegadas para nos fazer descer à realidade e nos tirarem logo essa ideia peregrina de que lá porque emitimos sons com a voz, somos uns seres especiais!!! Ora toma, que é para aprenderes: Santos da casa não fazem milagres.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Cantar a trabalhar

Para todos os cantores que desgraçadamente têm de trabalhar para se sustentar, cantar a trabalhar pode ser uma faca de dois gumes. Por um lado, aliviamos um bocadinho aquela necessidade de vocalizar, por outro, o volume tem de ser altamente controlado. Já tentaram cantar notas agudas pianissimo? Requer muita técnica... Olha, pensando melhor, até pode ser uma excelente oportunidade para treinar o pianissimo agudissimo. Quem sabe um dia possamos chegar a uma técnica tão refinada quanto a de Montserrat Caballé... Ou pode ser que um colega menos sensibilizado para estas coisas da técnica vocal nos mande categoricamente calar...

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Num dia de chuva...

... como este e com dois concertos perto, fico com medo. MUITOOOOOOOOO medo...
Qualquer gota na cabeça pode significar uma bela constipação. Ou não. Match Point.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Este é um blog que fala da voz humana. Da sensação incrível que é utilizar este instrumento tão complexo para criar sons, música.
Para cantores e para curiosos.
Falem.