Fez 30 anos que a "grande vochacha", como alguns chamavam à sua voz, se calou.
Quando partiu, já havia perdido aquele instrumento que tanto fascínio e tanta polémica criou. Viveu o pior pesadelo de uma cantora e viveu o pior pesadelo de uma mulher. Morreu só. Mal amada. Amargurada. Diz-se que passava os dias a ouvir as óperas que havia cantado no auge da sua carreira. E chorava.
A sua história pessoal é conhecida de todos, por vezes, chega mesmo a ensombrar a importância fundamental que teve na música. Não só na música clássica, não só no canto lírico, não só na revitalização de um género que se encontrava acomodado a uma pequena elite, a ópera, mas na música, ponto final. Ela foi um daqueles artistas que hoje se definem como de cross-over, ou seja, conseguiu chegar a todo o tipo de públicos e conseguiu levar a ópera e o bel canto às massas.
Porque a música verdadeira é aquela que, independentemente de géneros e de etiquetas que se lhe queiram atribuir, consegue representar o espírito humano no seu mais profundo ou no seu mais real. E essa era a mestria de Maria.
Esqueçam-se as dificuldades técnicas, a "fealdade" do seu timbre, o mau génio, a perda de peso, a desigualdade de registos, ...
Porque não é isso que está em causa quando se fala dela. É claro que existem vozes mais bonitas, mais bem trabalhadas, com melhor técnica, ... Mas muito poucos conseguem aquele efeito no público. Quando se ouve Callas, quase nem se consegue respirar. Ficamos presos às palavras,à intenção de cada frase musical, à absoluta humanidade de tudo o que está a transmitir. Revemo-nos em cada segundo. Identificamo-nos com as "suas" personagens. Podemos sê-las.
O seu génio interpretativo é inquestionável.
E, para mim, o génio interpretativo de um cantor vale muito mais do que a beleza per se do seu instrumento. Não é isso que procuro numa voz. É sim, o respeito total e absoluto pelas intenções do compositor e pela música, para que, quando a interpretemos, não a dobremos para que nos sirva, mas, pelo contrário, sejamos nós a servi-la.
Ask not what the music can do for you, but what you can do for the music.
Avé, Callas.
terça-feira, 18 de setembro de 2007
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