segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Canto bucólico

A Da Damaia:

Sim. Quando ia passar o Verão à terra da minha avó, ali para os lados de Tondela, adorava colher amoras pelos carreiros do pinhal e ir cantando para os meus botões. O bucolismo e o canto são grandes amigos, pelo menos, para mim. E então regados com o calor da canícula, melhor ainda...

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Amar e Cantar...

Fiquei a pensar no que me perguntaste. E depois lembrei-me de uma coisa que a Callas dizia. Ela dizia que para se cantar, um dos lados do cérebro deveria estar sob total controlo enquanto que o outro lado do cérebro deveria entregar-se totalmente, sem reservas. Não consigo explicar melhor do que isto o que de facto se passa quando canto. Afinal, La Callas era "Divina" não só pela sua voz, mas por muitas mais e acertadas razões.
Quando cantamos, fazêmo-lo para um público. Não interessa quantas pessoas estão nesse público.
Agora, é a vez de citar Amália. Ela dizia que era fundamental gostar de se ouvir cantar para que o que cantasse saisse bem. Por isso, de todas as vezes que cantamos, temos de nos incluir no público também.
Assim sendo, sempre que abrimos a boca para fazer sons com a voz, há público. Nem que esse público seja o próprio cantor. E como há público, há o dever de comunicarmos as intenções musicais e literárias daquela música o melhor que possamos. Há que estar com atenção à técnica, à respiração, à afinação, ao fraseado, a triliões de coisas, enfim,...
E, se tudo correr bem, se estes triliões de coisas estiverem correctos, então, vamos gostar de nos ouvir cantar e aí, damo-nos à emoção da canção, ao abandono de partilhar aquele momento com o público que nos ouve.
E tudo isto, num movimento perpétuo de razão-emoção que dura aquilo que as canções durarem.
Tudo isto, só para dizer que não deverá haver diferença entre um público que desconheço e um público que amo. Digo, não deverá. Mas será que há? Não sei. Por alguma razão que a razão desconhece, não costumo cantar para o meu amado, fazer-lhe serenatas ao ouvido. Das vezes que tentei, o lado do cérebro que deveria funcionar como razão não funcionou muito bem e não gostei de me ouvir cantar.
Então, calei-me...

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Cantar até fartar

Perguntas bem. E o que perguntas é se o cantor ao cantar as mesmas palavras, as mesmas músicas, vezes em conta, ainda consegue emprestar alguma verdade ao que canta.
O que te digo é que ainda não cantei as nossas músicas vezes suficientes para sentir isso. Nem mesmo quando cantava no bar de um hotel, durante ano e meio, os mesmos temas 3 noites por semana, me senti cansada das músicas de então. Pelo contrário. Depois de todas as vivênvias experimentadas de lá para cá, queria era voltar a cantá-las, porque há tanta coisa que eu não transmiti e que agora vejo que as canções pediam.
Se nos dermos às canções apenas como cantores, será difícil manter a frescura. Mas se nos dermos às canções enquanto intérpretes, então, não há limites para o que lhes podemos acrescentar com a vivência. A nossa e a das canções, claro está.
Depois,..., depois, o importante é ter-se bom material. Boas histórias para contar, boas melodias para defender e bons músicos a acompanhar. Assim, não nos fartamos nunca.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Esse grande senhor, Belafonte

Eu sou fã de Harry Belafonte. Pronto, assumo-me. Pode não ser a coisa mais comum em raparigas da minha idade, mas também, comigo foi sempre assim. Na Faculdade, na altura dos Lamb, Morcheeba, dEUS e afins eu ouvia Janis Joplin, Odetta, Nina Simone, Bob Dylan, Amália, Hermínia Silva e por aí em diante. E assim continuei, sempre ligeiramente desfasada do presente (seria caso para se dizer, "sempre uma casa ao lado", se é que me entendem ...). Não é de espantar, então, que um dos meus cantores de paixão seja o senhor Belafonte, com a sua voz de veludo, a cantar o cancioneiro americano e caribenho. E, para além do seu mérito próprio ainda teve o rasgo de brilhantismo de "descobrir" e apoiar o início de carreira dessa mulher divina que é Miriam Makeba.
Quem nunca o ouviu cantar/interpretar Come Back Liza, Mama Look a Boo Boo, Jamaica Farewell, There's a Hole in my Bucket (com Odetta), The Lion Sleeps Tonight e o incontornável Banana Boat Song, não sabe o que é bom. Tenho dito. E para mais, aqui fica a prova física:



E aqui, com outro grande senhor cantor, Nat King Cole:

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Do quão difícil é fazer sons com a voz

É tão difícil isto de trazer a voz ao peito.
É quase como um sacerdócio, como dizia a Elis.
Temos de olhar ao que comemos, porque existem mil e uma coisas comestíveis que a podem agredir. Temos de estar sempre alerta, para atacar qualquer constipação que se comece a adivinhar a tempo e horas. Temos de ter a dispensa bem abastecida com chás de vários tipos e mel, já para não falar das folhas de eucalipto e vick vap-o-rub, mezinha que nunca falha, quando se trata de vias respiratórias congestionadas.
Temos de nos precaver de mudanças súbitas de temperatura e andar a fugir de fumos, ares-condicionados, poeiras e afins como o diabo da cruz. Temos de dormir como deve ser, a horas certinhas, para a voz poder estar bem descansada. E temos de beber água como um alcoólico bebe vinho, para ficarmos com as cordas vocais bem hidratadas. Se tudo isto estiver a correr bem, ainda há que ter cautela nos ensaios de som, com a eterna luta dos cantores: há que ter o melhor som possível, mas não podemos estar a cansar a voz com ensaios muito longos e exaustivos...
Depois de tudo isto assegurado, ainda há que vencer o pior inimigo de um cantor: a sua cabecinha. Se, na sua cabeça, tudo estiver a postos e sentirmos que a voz está bem, então tudo irá estar mesmo bem.
No final, é só cantar.
Tão fácil que parece. E tão natural. E é. É natural, cantar. Não é é fácil ser-se cantor...

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

João

A Maria João é uma das minhas cantoras portuguesas preferidas. A primeira vez que a ouvi fez-se um clique, como se a sua abordagem à voz e ao canto fosse aquilo que há muito eu procurava para mim própria enquanto cantora. Por isso, entendo-a muito bem. Entendo tudo aquilo que muita gente aponta precisamente para a criticar.
A Maria João, antes do mais, tem algo que para mim é condição sine qua non de se ser uma boa cantora: obriga-nos a ouvir as palavras que canta. Nisso, é absolutamente genial.
Depois, o óbvio: a extensão vocal que apresenta, indo do registo mais grave e cavernoso ao registo lírico de uma soprano leggero, com uma aparente facilidade assustadora.
O domínio da voz enquanto instrumento, que, mesmo quando não aliado à palavra, constrói universos onde cabe toda a nossa imaginação.
O seu sentido rítmico inabalável.
A postura de menina-mulher, a provar que uma mulher nos seus 50 anos pode manter-se leve e não se deixar cair naquelas ideias estafadas de como uma mulher de "certa idade" se deve comportar.
A sua singularidade. É uma cantora única, tanto em Portugal, como na China. Assim que abre a boca, sabemos que é ela. E isso, para uma cantora, é algo de um valor incalculável. Digamos que é o El Dorado de qualquer músico.
Depois, claro, o seu bom-gosto na escolha de reportório e dos músicos com quem trabalha. Afinal de contas, aquilo que ficará daqui a cem anos, e que irá ser julgado, não é se era bela, magra, feia, gorda, casada, divorciada, com maior número de álbuns vendidos ou menor número. Será apenas a voz e o reportório.
E nisso, a Maria João já ganhou. Mas aos pontos...